“Desigualdades educacionais já existiam antes da pandemia e foram acirradas neste ano”, aponta pedagoga — Foto: Divulgação/Seed-PR
Depois de um ano escolar completamente atrapalhado pela pandemia de Covid-19, as provas da edição de 2020 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) estão marcadas para começar no próximo domingo (17), sob a expectativa de revelar discrepâncias ainda maiores do que o usual.
De acordo com os dados da última edição da avaliação, 22,4% dos estudantes não tinham acesso à internet, e 46% não tinham computador em casa. Considerando que a situação sanitária decorrente do novo coronavírus deixou as escolas brasileiras fechadas por praticamente o ano todo, o déficit de aprendizagem deve se refletir na prova.
Originalmente previsto para ocorrer em novembro, o Enem foi adiado para 17 e 24 de janeiro por conta da pandemia. Apesar do aumento no número de casos de Covid-19 no Brasil, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia federal responsável pela prova, descartou novo adiamento. Estão inscritos para esta edição 5.783.357 alunos.
Especialistas ouvidos pela DW Brasil acreditam que a prova deste ano vai escancarar ainda mais as desigualdades educacionais do Brasil.
“Importante frisar que esta desigualdade não deve ser apenas entre estudantes de escolas públicas e privadas de alto nível [como nas edições anteriores], mas entre os próprios estudantes da escola pública, que formam um grupo bastante heterogêneo”, afirma o ex-secretário de Educação de São Paulo Alexandre Schneider, presidente do Instituto Singularidades e pesquisador da Universidade de Columbia e da Fundação Getúlio Vargas.
Para a coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, o momento é de “um processo amplo de exclusão escolar” e de “aprofundamento das desigualdades educacionais”.
“Nesses dez meses sem aulas presenciais, em 2020, as condições e oportunidades que os alunos tiveram de aprendizagens foram muito diferenciadas”, afirma a pedagoga Anna Helena Altenfelder do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). Ela ressalta o pouco acesso à internet de parcelas significativas da população, além da falta de acesso a equipamentos ou mesmo de condições de moradia que possibilitem o estudo necessário para sucesso no exame.
“A pandemia revelou também a insuficiência da aprendizagem remota e ampliou a consciência do papel fundamental da interação e das relações interpessoais no processo de aprendizagem”, acrescenta.
Além da falta de acesso às aulas, o aspecto emocional do ano atípico também joga contra os estudantes. Coordenador do curso de pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o pedagogo Ítalo Curcio atenta para este fator como algo a ser considerado, além da defasagem de conteúdo aprendido, nas discrepâncias que devem ser identificadas na prova deste ano.
“Penso que haverá uma distância muito maior [do que o usual] entre um pequeno grupo de bem preparados, e o grupo dos preparados medianamente e os não preparados”, afirma. Neste quesito, deve pesar a falta das aulas presenciais. “Normalmente, ao longo do ano, cria-se um clima de motivação para a realização do exame. Existem incentivos por parte da escola, por meio dos professores, colegas e amigos”, comenta.
Curcio lembra que muitos colégios realizam simulados e encontros específicos para revisão do conteúdo e “um conjunto de ações especialmente preparadas para mexer com o jovem”. “Isto, neste ano, não ocorreu como o habitual, pelo menos com relação à maioria dos alunos das redes públicas de ensino e mesmo em algumas escolas da rede não pública”, aponta.
De acordo com os pesquisadores esse desnível atípico de aprendizado deve seguir sendo visível nas próximas edições do Enem, demonstrando como o ano de 2020 afetou todas as séries do ensino. Diversos estudos têm evidenciado isso.
Em novembro, a revista científica Educational Researcher publicou uma pesquisa cravando que três meses de fechamento de escolas causam déficit de aprendizagem de 50% a 63% em matemática e 32% a 37% em leitura na educação básica — se não recuperada completamente, é uma lacuna que o estudante vai levar por toda a vida escolar.
“Em uma sociedade desigual, com baixa inclusão digital e em que as experiências de ensino remoto infelizmente não tiveram sucesso, é esperado que esta geração de estudantes precise de um maior apoio das escolas. E por mais de um ano”, diz Schneider.
Pellanda acredita que futuras pesquisas ainda precisarão ser feitas para mapear como a exclusão escolar e as desigualdades foram aprofundadas pela pandemia. Só assim, segundo ela, será possível planejar meios de reduzir os impactos de médio e longo prazos na vida desses estudantes. A perda de um ano de estudos é especialmente grave para aqueles que já enfrentam em suas vidas os desafios socioeconômicos, afirma.
O Enem foi criado em 1998 para servir como avaliação de desempenho dos estudantes brasileiros ao término da educação básica — a partir de 2009, o exame passou também a ser utilizado como instrumento de seleção para o ingresso em instituições de ensino superior. Atualmente, portanto, a prova tem dupla função: diagnóstico do ensino médio e forma de acesso a cursos de graduação.
“[O exame] pode e deve ser usado para correções e ajustes no sistema educacional pós-pandemia”, defende Altenfelder. “O importante é que se tenha como objetivo o enfrentamento das desigualdades educacionais, que já existiam antes da pandemia e que foram acirradas neste ano com a diferença de acesso e oportunidades de aprendizagem dos alunos.”
Fonte: Globo.com – Por: Edison Veiga – 11/01/2021 – 21:29h
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