Pesquisa com pediatras: isolamento em pandemia afetou comportamento de crianças no Brasil

Leandro Garcia
21/08/2020

88% dos pediatras relataram oscilações de humor em pacientes durante consultas na pandemia Foto: Pedro Vilela / Getty Images

Pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) em parceria com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), divulgada nesta quarta-feira (19), dimensiona a influência da pandemia do coronavírus em crianças: 88% dos pediatras ouvidos relataram que a maioria dos seus pacientes apresentaram alterações comportamentais nas consultas, sendo que 75% observaram oscilações de humor.

Entre os obstetras, 64% informaram que a quarentena afetou a rotina de assistência pré-natal das gestantes, especialmente pelo medo das grávidas de um contaminação pelo vírus e a possibilidade de transmissão para o feto.

Segundo Clóvis Francisco Constantino, vice-presidente da SBP, as alterações comportamentais dos pacientes em idade escolar (acima de 7 anos) está diretamente relacionada ao isolamento social e à falta de socialização dessas crianças no ambiente escolar por conta da pandemia.

“A socialização e a convivência com o coletivo são fundamentais para o desenvolvimento saudável da criança. A quarentena diminuiu o tempo de lazer e tudo se restringiu ao ambiente doméstico. Por mas interação que ocorra, a criança com certeza sente a mudança”, explicou o médico, destacando que não é recomendado medicar as crianças nesses casos e sim conversar a explicar o momento que estamos vivendo. “Só indicamos remédio em situações muito particulares”, afirmou.

Ausência em vacinação

Outra percepção que preocupa os pediatras é a de que as crianças não estão sendo vacinadas nesse período de quarentena – muitas famílias estão adiando as datas das vacinas dos seus filhos. Segundo Constantino, os médicos percebem que as famílias querem vacinar as crianças, mas têm medo de se deslocar e acabar se contaminando. “A nossa recomendação é que não atrasem a caderneta de vacinação dos filhos, especialmente dos bebês. No primeiro ano de vida, muitas vacinas são dadas em mais de uma dose e, se atrasar alguma delas, o bebê ficará desprotegido”, afirmou o pediatra.

Um dado positivo da pesquisa é que os pediatras observaram que 69% das mães continuam amamentando seus bebês na mesma intensidade durante a quarentena. “Nós reforçamos que as mães não deixem de amamentar seus bebês nesse período, pois não há nenhuma evidência de transmissão do coronavírus pelo leite materno. Muito pelo contrário, o aleitamento é fator de proteção.”

Mais da metade dos ginecologistas e obstetras (52%) que participaram da pesquisa relataram ter percebido atraso no início das consultas de pré-natal das suas pacientes. Segundo César Eduardo Fernandes, diretor-científico da Febrasgo, o ideal é que a mulher inicie as consultas de acompanhamento assim que descobrir a gravidez. “O correto é iniciar o pré-natal antes de completar 12 semanas de gestação para que sejam feitos todos os exames necessários para a saúde dessa mulher e desse bebê”, afirmou.

Gestantes com medo

Além disso 57% afirmaram que as pacientes grávidas têm medo de se contaminar e transmitir o vírus para o feto ainda na barriga; 23% perceberam que as gestantes têm medo de possíveis complicações, como malformação ou parto prematuro e 81% disseram que as mulheres estão com receio de ir às consultas de pré-natal por medo de contaminação. Além disso, a pesquisa aponta que quase metade dos médicos (46%) relataram que as pacientes tiveram dificuldades em fazer os exames necessários durante o pré-natal e 8% disseram que as mulheres deixaram de fazê-los.

De acordo com o médico, as gestantes precisam redobrar os cuidados com a sua própria saúde, pois elas têm mais riscos de evoluírem de forma ruim caso se contaminem pelo coronavírus por terem a imunidade mais baixa e por terem a expansão torácica comprometida durante a gravidez. “Estudos estão demonstrando que a incidência de mortalidade materna por covid-19 é 3,5 vezes mais alta no Brasil do que nos outros países. Isso nos leva a concluir que a assistência a essas mulheres está precária. Por isso, elas precisam se cuidar.”

Fernandes destacou ainda que não existe nenhuma indicação de que há risco de malformação do feto ou de transmissão vertical (da mãe para o feto) do coronavírus, diferente do que ocorreu com os casos do zika vírus, em que a contaminação dos fetos ocorria ainda na gestação, podendo causar sérias malformações, entre elas a anencefalia. “Orientamos as grávidas que não se exponham em ambientes aglomerados; usem máscara; redobrem os cuidados com a higiene e não deixem de fazer o pré-natal.”.

A pesquisa online foi realizada entre os dias 20 de julho e 16 de agosto. O levantamento foi avaliar a percepção dos pediatras e obstetras sobre os cuidados à saúde de seus pacientes em meio à pandemia do Covid-19. Ao todo, 1.525 profissionais participaram (951 pediatras e 574 ginecologistas-obstetras), sendo 35% deles do Estado de São Paulo.

Fonte: Por Fernanda Bassette – Época – 19/08/2020